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Dicas importantes segundo experiências vivenciadas.

Gerenciamento de crise pelas polícias brasileiras em ocorrências com tomada de refém

Na manhã de 20.08.2019, um jovem promoveu o sequestro de um ônibus com diversos passageiros na ponte Rio-Niteroi. Ele estava agressivo e aparentemente desorientado. Não desejava dinheiro e sequer fez algum pedido aos policiais. De concreto, ameaçava atear fogo no interior do veículo, onde mantinha os passageiros imobilizados. Como não atendeu as ordens do negociador, foi alvejado várias vezes por atirador policial (sniper), vindo a falecer.

A presente ocorrência trouxe à baila a discussão sobre o tema “Gerenciamento de Crise com Atirador Ativo”, ou seja, engajado em matar pessoas mantidas como reféns.

A ideia central deste artigo é aprofundar a metodologia padrão de atendimento policial para esse tipo de ocorrência. É adequado também como orientador para profissionais da área de segurança privada ao se depararem com problema dessa gravidade no local de trabalho.

Mas o que é considerado “crise” na esfera policial?

O FBI, Departamento Federal de Investigações dos EUA, com quartel-general sediado em Washington D.C., tem a seguinte definição para “crise”:

“Um evento ou situação crucial que exige uma resposta especial da polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável”.

É importante o leitor ter ciência das peculiaridades específicas das ocorrências policiais que envolvem reféns, quais sejam: 

-Imprevisibilidade: por mais que o grupo responsável pelo gerenciamento da crise esteja preparado, vários fatores podem interferir negativamente para com o desfecho, principalmente o aspecto emocional e/ou mental dos sequestradores.

-Tempo Urge: desde a identificação do início da ocorrência com refém(s), o aparato policial tem que estar qualificado e preparado para entrar em ação o mais rápido possível e, para tanto, deve ter à sua disposição todas as condições e estruturas necessárias.

-Possibilidade de Morte de Refém: uma das funções das forças policiais é preservar a incolumidade das pessoas.

-Treinamento Específico e Diferenciado por parte do grupo de policiais especializados no atendimento de ocorrências com tomada de refém. 

Inicialmente, é importante definir quais são as pessoas que irão trabalhar em conjunto:

1) Primeiro Interventor: o primeiro profissional de segurança pública ou privada que deparou-se com o sinistro envolvendo reféns. Deverá providenciar rápido aviso para a polícia, narrando o ocorrido, expondo o problema para acionamento de equipe especializada em gerenciamento de crise.

2) Gerente da Crise: é o comandante de toda a operação e será considerado a autoridade máxima no local para determinar o passo a passo das atitudes a serem tomadas pelos demais policiais que integram a equipe.

3) Negociador: quem vai manter diálogo com o criminoso, servindo de intermediário entre o causador do problema e o gerente da crise. Vale ressaltar, que o negociador não tem poder de decisão e sempre estará subordinado ao comando da operação.

4) Negociador Auxiliar: também chamado de segundo negociador, tem como uma das funções suprir as necessidades do primeiro negociador e substitui-lo quando necessário.

5) Atiradores de Precisão: (Snipers)

6) Grupo de Assalto: formado por policiais preparados para invadir, quando necessário, o local onde as vítimas são mantidas como reféns.

É importante entabular as principais ações desde o início da ocorrência:

  1. A) CONTENÇÃO:num primeiro momento deve ser estancado o agravamento da situação crítica, principalmente para evitar que se alastre e outras pessoas também sejam feitas reféns.
  2. B) ISOLAMENTO: a polícia deve assumir o controle e ser o único interlocutor com o criminoso. Curiosos devem ser afastados do local. Quanto melhor for o isolamento da área, melhores condições de trabalho os policiais terão para negociar. Devem ser estabelecidos dois tipos de perímetros:

1) Perímetro Interno: área onde estão presentes apenas o criminoso, vítimas, o negociador e o chamado grupo de assalto.

2) Perímetro Externo: área onde ficará o comando da operação policial e equipe de apoio, composta de socorristas, psicólogos, responsável pelo fornecimento de alimentação, corte de energia e água quando necessários, entre outros.

  1. C) NEGOCIAR: o papel do negociador é extrair o máximo de informações do causador do incidente e das condições que as vítimas estão sendo mantidas como reféns.

Tipos de Sequestradores 

-Marginal Profissional: acostumado à vida no crime; busca satisfação financeira.

-Emocionalmente Perturbado: suicidas, pessoas com graves problemas psiquiátricos e aqueles sob efeito de drogas ilegais pesadas. 

-Fanáticos: movidos por causa religiosa ou política ideológica

O Tempo de Negociação 

No Brasil, o tempo médio de  negociação com criminoso(s) que mantêm vítima(s) sequestrada(s) é de até sete horas. Quando esse período se prolonga, os policiais envolvidos passam a cogitar o uso da força. Mas é importante frisar, que não existe regra rígida nesse sentido; tudo vai depender do estado emocional e de agressividade do(s) criminoso(s).

O GERENCIAMENTE DE CRISE JAMAIS SERÁ UMA CIÊNCIA EXATA, PORTANTO, O DESFECHO NEM SEMPRE É O PLANEJADO.

Quais as ocorrências mais comuns que podem gerar tomada de reféns? 

-Tentativas de suicídio; o local mais comum de ocorrer é no ambiente familiar. O pior quadro é quando um dos parceiros deseja matar a pessoa com quem se relaciona e, às vezes, até os próprios filhos, e em seguida tirar a própria vida.

-Chegada da polícia durante assalto em andamento em residência ou empresa; bandidos que não conseguem lograr fuga acabam mantendo vítimas como reféns.

-Crime de extorsão mediante sequesto quando a polícia encontra o cativeiro. 

-Rebeliões em presídios.

-Desocupação de prédios públicos, terras e até vias públicas.

-Atendimento de ocorrência com terroristas.

Qual a finalidade do processo de negociação?

Evitar e/ou reduzir mortes de reféns e prender o sequestrador para que responda pelos crimes praticados, embora isso nem sempre seja possível, principalmente quando a polícia se depara com pessoas mentalmente perturbadas. Mas é importante salientar, que a maioria desse tipo de ocorrência no Brasil termina com a libertação com vida dos reféns e autuação em flagrante do(s) criminoso(s).

Quais os objetivos da negociação?

-A missão inicial é ganhar tempo e baixar o nível de tensão do(s) sequestrado(s) nos primeiros minutos após a chegada da polícia.

-Diminuição do número de exigências, fazendo com que o sequestrador perceba que nem todos os seus pedidos serão atendidos.

-Colheita de informações sobre o sequestrador, tais como dados pessoais, estado emocional, suas intenções e objetivos.

-Verificação da necessidade de utilização da equipe tática.

Avaliação dos Graus de Riscos

O FBI, que citei no início deste artigo, estabelece a seguinte classificação:

1º Grau: Alto Risco – Depende do número de pessoas e do armamento utilizado

2º Grau: Altíssimo Risco –  Depende do número de pessoas e do armamento utilizado

3° Grau: Ameaça Extraordinária – Como exemplo, podemos citar a tomada de reféns dentro de avião em pleno voo

4º Grau: Ameaça Exótica – Utilização de vírus ou material radioativo, por exemplo

Quais os princípios fundamentais na hora de negociar?

-Jamais deve ocorrer troca de reféns. Nenhuma vida é mais valiosa que outra. O sequestrador precisa entender que esse tipo de pedido jamais será atendido.

-O gerenciamento de crise em casos de ocorrências com reféns sempre deve ser realizado em equipe, mas o contato com o sequestrador só deve ser realizado por uma pessoa. O único canal de comunicação que o criminoso deverá ter com o mundo externo é com o negociador

-Qualquer solicitação do sequestrador que venha aumentar ou potencializar o risco para o(s) refém(s) deverá ser negada.

Quais os critérios para saber se a negociação está avançando de forma positiva? 

-Após o início do processo de negociação ninguém foi morto ou ferido

-Diminuição no nível de tensão da conversa com o sequestrador

-Aumento do tempo de conversa entre o negociador e o sequestrador

-Libertação de alguns reféns

E quando a negociação não evolui e aumenta o risco de vida do refém… 

O último recurso é a utilização da chamada “opção tática” e utilização do “grupo tático”.

Nesse ponto, a possibilidade de o sequestrador ser alvejado e morto é grande, tendo em vista a constatação de risco iminente à vida dos reféns. A principal arma da polícia nesse primeiro momento é o efeito surpresa, onde o grupo tático deverá se aproximar do local do sinistro de forma silenciosa e rápida, visando impedir algum tipo de retaliação pelo(s) criminoso(s).

Além do efeito surpresa, o grupo tático deve usar a estratégia da agressividade na ação. Para tanto, usará, quando necessário, equipamentos específicos, tais como cargas explosivas.

A ação visa dominar o marginal e deve ter também caráter intimidativo, isso para que o o instinto de sobrevivência do sequestrador o impeça de oferecer resistência.

PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS PADRÃO -POP

  1. Atividades Críticas
  2. Deslocamento imediato após acionamento das células táticas de Operações Especiais (Grupo Tático, Negociadores, Explosivistas, Atiradores de Precisão).
  3. Manutenção do canal de comando com a autoridade técnica, evitando, assim, interferências de autoridades diversas, como policiais ou políticos no processo de resolução da crise.
  4. Conservar e reforçar os perímetros táticos, ampliando-os e adaptando-os, se necessário, à ação tática escolhida.
  5. Aproximação (grupo tático, negociadores, atiradores de precisão, explosivistas) ao local da crise.
  6. Assalto emergencial.
  7. Liberação de refém e/ou vítima.
  8. Rendição: deverá ser conduzida de modo a evitar surpresas; um movimento inesperado poderá ser mal interpretado pelos policiais ou pelos provocadores, resultando numa reação em cadeia.
  9. b) Sequência das Ações
  10. Identificar a localização e especificidades da região de atuação.
  11. Identificar principais pontos de acesso utilizando a planta da região de atuação.
  12. Realizar brienfing com as células de operações especiais de cada alternativa tática.

4.Checar armamento, munição, comunicação e equipamentos antes de iniciar o deslocamento.

  1. Orientar as equipes de segurança presentes no local sobre qual comportamento devem adotar.
  2. Coletar informações do local e pessoas envolvidas no evento crítico (elementos essenciais de inteligência).

7.Conferir e corrigir o isolamento e contenção do local do evento crítico.

  1. Definir os perímetros táticos interno e externo em relação ao ponto crítico.
  2. Conservar e reforçar os perímetros táticos, ampliando-os e adaptando-os, se necessário, à ação tática escolhida.
  3. Identificar pontos de acesso ao objetivo/ponto crítico.
  4. Definir rota do deslocamento para aproximação do evento crítico.
  5. Iniciar deslocamento para o local do evento crítico.

13.Definir possibilidades de atuação isolada e em conjunto das células táticas de operações especiais.

  1. Definir método de resolução do evento crítico.
  2. Providenciar antes do início da resolução da crise o posicionamento de ambulâncias, pessoal médico, bombeiros militares e paramédicos para socorro de eventuais feridos (proporcionar a segurança para retirada de possíveis feridos no local).
  3. Aproximação do objetivo.
  4. Nos casos de uso de força letal:
  • Incapacitar e controlar o provocador da crise;
  • Controlar os reféns ou vítimas;
  • Manter o ponto crítico sob controle, evitando invasões de estranhos;
  • Socorrer os reféns, mantendo-os sempre escoltados;
  • Evacuar os reféns, vítimas e os provocadores, mantendo estes últimos algemados e em local seguro;
  • Identificar com segurança todos os reféns e vítimas, mantendo o controle da situação até que todas as verdadeiras identidades sejam confirmadas, cuidando para que os provocadores não se façam passar por reféns.
  1. Fazer uma varredura no ponto crítico: remoção de armas, explosivos, munições e quaisquer outros equipamentos de segurança utilizados na operação.
  2. Reorganizar as equipes para retirada do local da atuação.
  3. Entregar local seguro para equipe responsável pelo isolamento.
  4. Definir rota de retirada até local pré-determinado.
  5. Realizar os procedimentos legais necessários após a atuação no objetivo.
  6. Produzir relatório após a ação no evento crítico.
  7. Reunir com todos os atores envolvidos na resolução do evento critico objetivando melhorar atuações futuras.
  8. Proporcionar a segurança para retirada de possíveis feridos no local.
  9. Reorganizar as equipes para retirada do local.
  10. Entregar o local seguro para equipe responsável pelo isolamento.
  11. Definir rota de retirada até local pré-determinado.

29.Realizar osprocedimentos legais necessários após a atuação no objetivo.

  1. c) Resultados Esperados
  2. Resgate dos reféns e resolução pacífica do incidente.
  3. Neutralização das ameaças com reféns, atiradores ativos e/ou ocorrências com explosivos.
  4. Controle do local do evento crítico.
  5. Prisão de perpetradores.
  6. Restabelecimento da ordem.
  7. Atuação como resposta especial de polícia, por meio de intervenções qualificadas, especializadas e pontuais, quando necessária a utilização de Operações Especiais Policiais

Fonte: Procedimento Operacional Padrão (POP) Polícia Militar Sergipe

CONCLUSÃO 

As operações de ocorrências com reféns, normalmente, causam certa comoção social, quer seja por não serem comuns quer seja por serem amplamente divulgadas pela grande mídia. Por conseguinte, quando as vítimas são libertadas com preservação de suas vidas e integridade física, os policiais envolvidos são apontados como verdadeiros “heróis”. No entanto, esses mesmos agentes públicos, mesmo agindo dentro das melhores técnicas e com seu melhor empenho, se ocorrer resultado diverso, é bastante costumeiro serem alvos de pré-julgamentos, transformando-os em “vilões” e imputando-lhes todo o tipo de culpa pelo eventual desfecho com morte de refém.

“O policial poderia ter feito isso?”

ou

“O policial deixou de fazer isso?”

e até

“Esses policiais não têm treinamento adequado, por isso o pior aconteceu!”

Nessas ocasiões, os supostos “especialistas em segurança” e alguns jornalistas que militam na área policial, aparecem com seus achismos e opinismos, geralmente fazendo a crítica pela crítica, sendo que possuem ínfimas informações da ocorrência e pouca experiência profissional nessa área tão específica.

O público em geral precisa compreender que o policial não deseja receber o título de “herói” por algumas horas. Quer e merece o reconhecimento pelo seu trabalho no cotidiano, onde levanta cedo para trabalhar no atendimento de ocorrências que na sua grande maioria não têm apelo midiático, mas carregam grande carga de dor e sofrimento para os envolvidos. Ele está no front da mais alta relevância, que é a manutenção da paz social; uma missão importantíssima e essencial. Muitas vezes, intercorrências podem surgir e o resultado esperado fugir de suas mãos; até sua própria vida.

Erros e falhas podem ocorrer e devem ser analisadas no decorrer da investigação e no local ideal, que é o inquérito policial.

Perícias das mais variadas, testemunho de todos os envolvidos na ocorrência, reconstituição dos fatos, quando necessário, análise de imagens e áudios, se houverem, enfim, somente após exaustiva investigação policial é que o presidente do inquérito irá ofertar seu parecer acerca da apuração.

JORGE LORDELLO
Pioneiro em Palestras “in company” sobre Segurança Pessoal e Patrimonial
Especialista em Segurança Pública e Privada
Palestrante e Conferencista
Escritor Internacional e Articulista com mais de 2500 artigos publicados
Pesquisador Criminal
Conhecida na mídia como “Doutor Segurança”
www.lordellotreinamento.com.br
jlordello@uol.com.br

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